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quinta-feira, junho 5, 2025
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Paläbala: Conheça a primeira iniciativa de turismo comunitário em território indígena no Amapá

Experiência de turismo comunitário participou da Associação Na’na Kali’na sobre cultura, floresta e hospitalidade às margens do rio Oiapoque. Estivemos com a primeira turma de turistas para conhecer o roteiro.

Experiência de turismo comunitário participou da Associação Na’na Kali’na sobre cultura, floresta e hospitalidade às margens do rio Oiapoque. Estivemos com a primeira turma de turistas para conhecer o roteiro.

 Paläbala: Conheça a primeira iniciativa de turismo comunitário em território indígena no Amapá

Experiência de turismo comunitário participou da Associação Na’na Kali’na sobre cultura, floresta e hospitalidade às margens do rio Oiapoque. Estivemos com a primeira turma de turistas para conhecer o roteiro.

Por Maria Silveira

No meio do rio Oiapoque, navegando pelas margens cobertas de buritizeiros, nosso barco segue a maré até a aldeia Galibi, território do povo Galibi Kali’na. Passamos por debaixo da ponte que liga o Amapá à Guiana Francesa, deixando para trás a pressa.

“A pressa é inimiga da vida”, dizia Gèrard Lod, primeiro cacique do povo Galibi Kali’na do Brasil. Assim começou a experiência Paläbala, o primeiro projeto de turismo de base comunitário em território indígena no Amapá, coordenado pela Associação Na’na Kali’na . Paläbala, em kali’na, significa borboleta. Quando ela aparece, é sinal de que visitantes estão chegando.

E foi assim que chegamos, o primeiro grupo de turistas a fazer o roteiro.

Fomos recebidos com abraços de boas-vindas pelo cacique e moradores da comunidade, além de um café da manhã que traz a tapioca, a pupunha e frutas como o cacau e o cupuaçu. Tudo cultivado ali, por quem estava nos acolhendo.

Entrada da aldeia Galibi, Oiapoque, Amapá. (Foto: Leonardo Lopes/ Iepé/ Na’na Kali’na)

A história do Galibi Kali’na

Reunidos no casamento da comunidade, são 16 visitantes e várias pessoas da aldeia, filhos, sobrinhos, netos e demais parentes de seu Gèrard Lod. Parte do roteiro de turismo ali é sentar e ouvir a história da chegada de Kali’na ao Brasil.

Em 1950, Gèrard foi o líder de uma expedição marítima que saiu de Maná, na Guiana Francesa, junto com seus familiares, até as margens do rio Oiapoque, assim estabelecendo a primeira comunidade do povo Galibi Kali’na no Brasil.

A história de seu Geraldo, como ficou conhecido nas terras brasileiras, começa antes disso: em 1946, ele sonhava em vir ao Brasil já que a vida de seu povo estava difícil na Guiana Francesa. Ele ouviu seu professor descrever como “o país dos verdadeiros índios”. Em 1948, decidiu se aventurar. Sem saber português, encontrou seu primo Joseph Tenente, e embarcou em uma jornada de seis meses para conhecer o Brasil.

Encantado com a terra e prevendo um futuro bom para seus filhos e netos, voltou para casa e se preparou por dois anos, construiu canoas, reuniu sementes, farinha, beiju e poraquê moqueado. Trinta e oito pessoas navegaram a remo para o Brasil.

Essa história é mais do que uma memória, é a base do fortalecimento da comunidade, que hoje se volta para suas raízes, reafirmando sua cultura, língua e identidade. Hoje, a aldeia é multiétnica — já que não é costume dos Galibi Kali’na casar com familiares — e abriga filhos, netos e bisnetos dessas famílias, além dos demais povos da região.

Grafismo do povo Galibi Kali’na

Ainda no casarão, cercados por artesanatos, vestimentas tradicionais e bolsas com grafismos produzidos pelas mulheres da associação Na’na Kali’na, Sônia Jeanjacque, do povo Galibi Kali’na, nos explicaram sobre os grafismos de seu povo. O jenipapo, fruto que gera um pigmento negro quando ralado, não é apenas uma tinta: é proteção. “As marcas são dos animais, mas também são dos espíritos. Eles nos fortalecem.”

Sônia Jeanjacque é extraordinária extraordinária dos povos indígenas do Amapá e Norte do Pará e grande conhecedora das marcas do seu povo Galibi Kali’na. (Foto: Leonardo Lopes/ Iepé/ Na’na Kali’na)

“Os espíritos não vêm pra fazer mal, eles vêm para nos fortalecer. As marcas são a nossa resistência indígena, elas fortalecem a nossa cultura”, afirma Sônia.

Conhecendo a comunidade Galibi Kali’na

Fomos guiados por entre casas e árvores históricas. Durante uma caminhada, dois ou três moradores se aproximaram, contaram suas histórias sobre a floresta, o rio e a cultura. Em pequenos grupos, aprendemos ouvindo.

 

O papagaio é brabo, mas toda vez que recebia carinho, se arrepiava e abria as penas da cabeça de satisfação. (Foto: Leonardo Lopes/ Iepé/ Na’na Kali’na)

A cada parada, os moradores nos mostravam o cotidiano da aldeia e como utilizavam no seu dia a dia o que crescia ali. As plaquinhas de identificação das árvores foram feitas pelas crianças, na escola da comunidade.

Entre as espécies, a hortelã é usada como chá para aliviar gases em bebês. Da árvore de quina, se usa as folhas para um chá contra a malária. Da cuieira, as cuias pequenas são usadas como maracás, já as cuias grandes são usadas para servir farinha ou fazer chibé – mistura de farinha, água, pimenta e tucupi.

O uso medicinal da máquina é um antigo conhecimento dos povos indígenas. (Foto: Leonardo Lopes/ Iepé/ Na’na Kali’na)

Na beira do rio, Kassia Lod, coordenadora da Associação Na’na Kali’na, explicou como a comunidade se une em mutirão, para a colheita do açaí, por exemplo: “Quando acontece uma emergência, a gente se junta, colhe os frutos da floresta, vende, e faz acontecer. Sempre que precisamos, nós recorremos à natureza”.

 

Para a turista francesa Alizee de Bollardiere, o que mais a marcou foi justamente essa união da comunidade. “Gostamos de ver o cotidiano da comunidade, nos sentimos bem-vindos. Todo mundo está bem organizado, gostei da participação de todos da comunidade”, afirmou.

Cardápio Galibi

O almoço ganhou um espaço especial nessa história, de tão saboroso que não poderia passar em branco, já que a comida foi alvo do principal elogio dos visitantes:

Gilson Torres: “O cardápio é original, é essa a essência que o turista quer comer. Parabéns, um cardápio muito bom.”

Adriana Franklin Millecam: “Menu regional e bom, bem típico”.

Marcelo de Sá Gomes: “Muito boa a experiência gastronômica, regional e orgânica”.

O sabor foi marcante: o azedo do tucupi com o toque cítrico do limão. A pimenta, embora não fosse de cheiro, só o cheiro dela perfumou meu prato deixando o gosto mais interessante e complexo. Para quem tiver coragem, vale morder uma pimenta inteira, como feito pelos Kali’na.

Com tantas opções boas, todos repetiram a refeição. (Foto: Leonardo Lopes/ Iepé/ Na’na Kali’na)

 

Depois do almoço, um descanso na rede. Um intervalo de chuva forte que Karolina Costa, uma das visitantes, adorou. “Eu sou da Amazônia e essa é a Amazônia. A chuva não atrapalha. Ela é parte”, disse.

Sem limites de território

Seguimos o ramal até o limite da Terra Indígena Galibi. Apesar da chuva o caminho valia cada passo. Ao nosso redor, roças com bananeiras gigantes, mandioca e batata se alternavam com árvores frondosas.

Durante uma caminhada, visitantes da Guiana Francesa encontraram um filhote perema. Pensaram que fosse uma semente, mas, ao tocá-la, ela abriu as patinhas do casco como quem diz “oi” antes de ser solta mais adiante, num igarapé.

A perema é uma espécie de tartaruga de água doce nativa da Amazônia. (Foto: Maria Silveira/Iepé)

O visitante Marcelo de Sá Gomes, comentou sorrindo: “Adorei andar na chuva. Alguns anos atrás, precisoi parar na comunidade Galibi por causa de um forte temporal e fui acolhido. Dessa vez, foi dia de visita, mas o Amapá já traz no nome: é lugar de chuva.”

No final da trilha, chegamos ao igarapé Morcego, o marco que delimita o território. Nos contaram que todos os anos a comunidade organizou uma grande vigilância : os homens se reuniram e, por três dias, limparam o limite da terra, o que ajudou a evitar invasores e manter o território protegido.

Caminhada até o limite da Terra Indígena Galibi. (Foto: Maria Silveira/ Iepé)

 

Ali perto, coloquei um pouco de breu branco direto da árvore. Queimaram a resina, e o cheiro se deixou como incenso, delicioso. Ganhei de presente e trouxe para casa.

Voltamos nos carros de apoio, contando histórias da floresta, de vistas (espíritos) e felizes pelo passeio. A chuva nos uniu mais do que esperávamos.

De volta à vila, fomos recebidos com banana frita e café quentinho, o tipo de colhida que aquece o corpo e o coração.

A importância do turismo de base comunitário

O turismo de base comunitário é uma alternativa de desenvolvimento sustentável que mantém a floresta em pé e valoriza os modos de vida tradicionais. Em territórios indígenas, essa prática também contribui para a proteção territorial. Ajudando na fiscalização do território, coibindo invasores e prevenindo o desmatamento e a pesca ilegal.

“Derrubavam a árvore e nem aproveitavam o açaí”, relembra Edervan Forte dos Santos, mais conhecido como Deca, enquanto apontava para a margem do rio durante nossa chegada. Pilotando o barco, ele comentou sobre os invasores que entraram no território para desmatar ilegalmente.

Além disso, o turismo surge como complemento de renda já que uma das principais bases econômicas da comunidade, o cultivo da mandioca, foi afetado por uma praga conhecida como vassoura-de-bruxa da mandioca . A doença, observada em 2024 nas roças das Terras Indígenas do Oiapoque, tem sido associada às mudanças climáticas e compromete diretamente a segurança alimentar das famílias.

“O turismo é sustentável, protege o meio ambiente e fortalece a nossa cultura”, disse Renata Lod, vice-cacica do povo Galibi Kali’na, destacando o potencial da atividade como alternativa econômica e de valorização da cultura.

Turistas franceses e brasileiros puderam experimentar a vivência Paläbala. (Foto: Leonardo Lopes/ Iepé/ Na’na Kali’na)

Até o logotipo

“Mostramos quem somos de verdade e como a gente sabe nossos conhecimentos”, disse Kassia Lod. “Essa é a Amazônia real.” A fala reflete sobre o que é o Turismo Paläbala: uma vivência construída com o envolvimento de toda a comunidade. É a primeira iniciativa de turismo indígena legalizado pela Funai no Amapá. Foram, no mínimo, dois anos de trabalho para que tudo isso se tornasse possível.

Antes de ir embora, ganhei um brinco de Paläbala da dona Cristina. A borboleta que anuncia a chegada dos visitantes agora também me lembra que posso, e quero, voltar.

Brinco feito pela senhora Cristina Lod. (Foto: Leonardo Lopes/ Iepé/ Na’na Kali’na)

Irupamam. Obrigado em Kali’na.

Maria Silveira é jornalista da equipe de comunicação do Iepé.

Foto da capa: Leonardo Lopes/ Iepé/ Na’na Kali’na

Essa iniciativa é uma realização da Associação Na’na Kali’na, com o apoio do Instituto Iepé, do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Garupa, com financiamento da The Nature Conservancy (TNC) e da Rainforest Foundation Norway.

Crédito: Maria Silveira*

*a autorização para republicação do conteúdo se dá mediante publicação na íntegra, com crédito e redirecionamento (link) para a publicação original. O InfoAmazonia não se responsabiliza por alterações no conteúdo feito por terceiros.

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